Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se
põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções,
de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história.
Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em
longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta
os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio,
como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito
por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos
um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo
foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos
populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso
Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi
Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era
bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só
Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O
comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa
História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele,
a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe
pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para
servir?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
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